Os olhos que falavam

Êxodo, Sebastião Salgado
Avistei ao longe uma, duas, três pessoas de cor, que se transformaram num grupo de jovens rapazes à medida que o autocarro prosseguia. Pareciam descontraídos, suspeito que os mais velhos desvendavam a um mais novo algo precioso sobre a arte de viver. 
Estava a passar por um campo de refugiados europeu, apercebi-me quando avistei o típico arame farpado que ladeava o edifício. 
Refugiados do Mediterrâneo, nunca pensei encontra-los ali. 
O autocarro parou e dois homens, um jovem e outro de meia idade, ou talvez tenham sido as intempéries da existência sofrida a dar-lhe o semblante vivido, aproximaram-se.
Olhavam-nos com ar vazio, sem vergonha, sem directrizes, sem ética de conduta, olhavam-nos, de forma fixa sem que nenhum sentimento fosse decifrável. 
Olhei de volta, não para o homem mais jovem que possuía todas as características próprias da sua idade, o galanteio fácil, a postura que lhes é tão peculiar e tribal, da conquista. 
Não, olhei para as linhas do rosto do homem que estava do outro lado do vidro, para o dente da frente partido, para os olhos negros e durante muito tempo, nesses poucos minutos que se tornaram séculos questionei e imaginei a vida de alguém que estava a menos de meio metro do meu rosto, ambos protegidos por uma barreira transparente.
O autocarro apitou para partir e então assim do nada, ele levantou a mão e fez um aceno de despedida, com o olhar posto para além de mim, um gesto de adeus, como se um mar de caminhos se fechassem naquele mesmo instante.
Então os olhos falaram, contaram-me de como uns escassos quilômetros podem significar nunca mais, como o tacto visual pode-se tornar na última demonstração de afecto. Mostraram-me que há distâncias no planeta que significam viajar até outras galáxias, foi-me desvendado a dádiva do momento presente, a dor da partida, num autocarro que tinha a estação final após uns meros 10 minutos.
Quando me levantei percebi que aquele aceno tinha sido para uma senhora, com um filho pequeno junto ao peito.
Depois de tantas tormentas, tantos desafios, vivem presos no interior de paredes bem construídas, ou protegidos dos sentimentos dos senhores de boa índole. 
Em terreno desconhecido, eles que fintaram a morte com nada, fazem acenos de Adeus, como se a morte, ou pior o esquecimento fosse dobrar a esquina a qualquer momento e todos se perdessem sem reencontro possível.