CARTA A UM ESTÁGIARIO
Dedicatória
Esta carta é para todos aqueles que não encurtaram caminho, com maroscas ou trafulhices, para aqueles
que encontraram força para seguir em frente. Para os futuros, ex e presentes estagiários, para aqueles que
acreditam numa arquitectura mais humana, seja ela construída ou feita entre os pares todos os dias nos
gabinetes, através de gestos e palavras.
que encontraram força para seguir em frente. Para os futuros, ex e presentes estagiários, para aqueles que
acreditam numa arquitectura mais humana, seja ela construída ou feita entre os pares todos os dias nos
gabinetes, através de gestos e palavras.
A ironia que se segue é de um espirito que não se soube nem sabe se acomodar.
Hotel Vals, Morphosis Architects |
O estudante de arquitectura não tem vida, é o que se costuma dizer.
Então e o que é que se passa com o estagiário?
Esse meu caro amigo, morreu e vive no limbo.
Porque não há nada pior que ser-se o intermédio de
qualquer coisa. Nesse espaço entre algo e lugar nenhum, deparamo-nos com o que há de pior no ser
humano, a escravatura legitima e socialmente aceite.
qualquer coisa. Nesse espaço entre algo e lugar nenhum, deparamo-nos com o que há de pior no ser
humano, a escravatura legitima e socialmente aceite.
O estagiário raramente é pago, não tem horas de comer, de dormir, não
tem vida, ou nome, é uma espécie de coisa – uma besta.
tem vida, ou nome, é uma espécie de coisa – uma besta.
A besta que só tem hora de entrada, direito a directas e bónus de terapia visual em frente a um CAD
qualquer. Faz trabalho de segundo ajudante de obra, acarta material para maquetas infindáveis, monta e
desmonta estantes em ferro, limpa cozinhas, atende telefonemas e compra comida para os amos.
qualquer. Faz trabalho de segundo ajudante de obra, acarta material para maquetas infindáveis, monta e
desmonta estantes em ferro, limpa cozinhas, atende telefonemas e compra comida para os amos.
A besta, não vê muito a luz do dia, reza a lenda que por vezes nem ao domingo e estamos a falar de países
sem mácula, como os do centro e norte da Europa. Venderam-nos o diabo na faculdade, foi o que foi.
A bem prezada e maravilhosa arquitectura, referenciada vezes sem conta pelo mundo fora, criada por
seres humanos cheios de valores, monetários claro.
sem mácula, como os do centro e norte da Europa. Venderam-nos o diabo na faculdade, foi o que foi.
A bem prezada e maravilhosa arquitectura, referenciada vezes sem conta pelo mundo fora, criada por
seres humanos cheios de valores, monetários claro.
Onde é que estávamos?
Ah sim, no estagiário de arquitectura.
Aguenta!
Aguenta, que os outros também aguentaram.
Aguenta, que depois tens um número, talvez o possas colocar na orelha como os animais nos centros de
abate.
abate.
Aguenta, que depois tens a felicidade de pagares quotas, com o dinheiro dos teus pais provavelmente, mas
não penses nisso agora. Findados noves meses (vá, tens que dar alguma margem), meu querido estagiário, terás a honra de ser chamado de Arquitecto, a ordem estabelecida diz que sim.
não penses nisso agora. Findados noves meses (vá, tens que dar alguma margem), meu querido estagiário, terás a honra de ser chamado de Arquitecto, a ordem estabelecida diz que sim.
Nesse dia deixas de estar
no limbo, ainda que o mais provável seja a entrada directa no inferno do desemprego. Não desesperes, nos
dias que correm és chamado de jovem arquitecto aos 40.
no limbo, ainda que o mais provável seja a entrada directa no inferno do desemprego. Não desesperes, nos
dias que correm és chamado de jovem arquitecto aos 40.
Mas, enquanto esse dia não chega, goza as maravilhas e honras de ser estagiário.
Afinal, podes compreender que a bela poética arquitectónica, não passa na maioria dos casos de um rale
negócio. Que se constrói o que não faz falta, que o lugar não tem importância nenhuma, que a atmosfera é
só uma palavra bonita, que menos não é mais, mas que mais gera sempre mais.
negócio. Que se constrói o que não faz falta, que o lugar não tem importância nenhuma, que a atmosfera é
só uma palavra bonita, que menos não é mais, mas que mais gera sempre mais.
“Arquitectura ou Revolução”?!
És um idealista meu caro estagiário e no entanto ainda não entendeste nada – o Corbusiacas, como lhe chamava o mestre Távora, tinha o seu quê de espertalhão.
A arquitectura (com letra minúscula) não é feita para os que vivem nela, nem a
pensar no futuro, mas para aqueles que lucram com ela. É feita de egos!
pensar no futuro, mas para aqueles que lucram com ela. É feita de egos!
Não me faças rir, porque nós não estamos aqui para brincar.
Então não te ensinei nada?