“Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir.
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um
desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto
me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente
um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar,
mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente.”
desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto
me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente
um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar,
mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente.”
Bernardo Soares
Somos, somos sempre quase inevitavelmente, fatidicamente rumorosos, ansiosos, sozinhos..
A viver uma vida sem fio, ou fio sem ponta, por aqui, por ali nas madrugadas em que acordo cheia de coisa nenhuma. Por onde? Por agora? Por…. Levei-te na forma que sabia, naquela sombria e nebulosa a que chamo coração. Perdi na luz carinhosa do luar o motivo de toda a demanda. Saber, perguntar e ser e descer no rio impetuoso desta melodia. Virás um dia, sim virás, ainda que não saibas, ainda que não vejas, ainda que o olhar te seja turvo, todo mundo virá… Para uma última valsa, para esta nobre subtileza. Ser.
Enquanto isso fica sem fim, fica por mim, deixa que o azul desta revolta congele o lado amargo desta escuridão. Tu que não sabes onde, tu que não sabes, agora, este tempo inusitado onde tudo acontece, onde nada pará, onde o Nada é predominante, sufocante, majestosamente ignorante. Majestosamente…Cintilante, preocupante. palavras. sal de palavras, palavras em sal! Anestesiam a boca, entorpecem os sentidos, cegam a alma…
Alma?! onde estás? porque te conservas nesse tempero de deserto marítimo. São lágrimas? São ideias, ou são as ideias das lágrimas que te levaram a trilhar esse fim de mundo empoeirado em que os dias nos consomem por dentro e nos devoram por fora? és cinza, cinzenta, peganhenta, esquecida..
Dóis-me, o Ser, o Nada, o agora e O que não virá…Imagem de mim cambaleando no vazio, das multidões famintas, com ânsia de tudo. Esperança!
A esperança que morreu ontem, enquanto esperava a delegação do abismo.