Filha sem mãe, ou filha de ninguém

Antonio Mora

Ela tinha acabo de ler daquelas palavras que pessoas jorram fora em forma de tinta  “10 mães de 10 nacionalidades diferentes” e esboçou um sorriso irónico.

Ela nunca havia sido mãe, mais que isso ela nunca havia sido filha. Tinha sido gerada e largada com meio mês, quinze dias, 360 horas, 216 000 minutos na porta de casa do avô.
O desfile de palavras daquelas mães, daquelas mulheres que desaprenderam a ser um Ser individual com personalidade própria, pareciam-lhe descrições mirabolantes de terras desconhecidas.
Ela que tinha crescido com o pé na Terra e feito da Natureza abrigo não sentia qualquer ligação com esses humanos e narrativas.
Quando em jovem abordará a psicologia foi descrita como um ser desequilibrado, de caracter dúbio e mente desorganizada. Ela que havia tomado a decisão de não abandonar ninguém.
Recordava-se bem desse dia, um miúdo havia-lhe gritado maldades de crianças com palavras de adultos. Depois da escola, sentada no muro pedra com malmequeres a desabrochar das fendas, Decidiu (com letras maiúsculas  que jamais havia de abandonar gato, ou cão, ou árvore ou gente. Havia aprendido a primeira lição de filha sem mãe, amar todos os seres.
Havia nascido com o dom de ser esforçada, pontual e gentil. Esforçada e pontual porque tudo que haveria de ser teria de vir da sua dedicação, nenhum amor divino ou platónico estaria lá para a amparar.
Gentil, porque a sua existência dependia da bondade de outros e assim compreendeu que o amor não era dado adquirido, mas conquistado todos os dias, valiosa lição (a segunda) esta de filha sem mãe.
A menina que se torna mulher, como aprende a ser mulher sem modelo de mãe? Essa foi de todas as etapas a mais ardilosa. Não havia nada para aprender, não havia nada para observar ou imitar, a trindade das lições. Ela, tal como a primeira mulher que povoou a Terra, já sabia quem era e para onde caminhava, estava dentro de si, brotava-lhe da alma. 
“10 mães de 10…”, nem 1, nem 100, nem 1000, mas um universo inteiro a sussurrar-lhe ao ouvido – Filha e mãe de tudo e nada, principio e fim, abraça-me!