A mulher e a Arquitectura

Não gosto de dias internacionais ou mundiais, sejam eles quais forem, só me fazem lembrar que o facto de eles existirem é porque a causa em questão possui ainda uma posição débil.
Na minha conta ficaria, o dia da mulher, o dia da arquitectura, o dia do canhoto e outros tantos cuja a causa me é próxima. Existe também o dia do homem, ainda que este nunca seja motivo de propaganda comercial – o dia 19 de Novembro.
O dia da mulher contudo é festejado e conhecido no universo feminino, é um dia em que a maioria se sente no direito de ser mimada e bajulada só pelo simples facto de ter nascido do sexo feminino. A pergunta aqui é simples, que acto verdadeiramente importante fez cada uma, singularmente, para se sentir no direito de ser congratulada no dia em que se assinala a morte de muitas em defesa da igualdade? 
“Ninguém nasce mulher – torna-se mulher!” Simone de Bouvoir

Este caminho levou-me a reflexão sobre as escolas onde mulheres e homens se formam em arquitectura. Desfilam-nos os Arquitectos (com letra maiúscula, os grandes)   aprendemos com os arquitectos, somos herdeiras do seu legado, dos mesmos homens que remeteram as mulheres para a zona do bordado na escola da Bauhaus (director Walter Gropius). 

Ensinam-nos a analisar o grande mestre do modernismo, Le Corbusier. O mesmo homem que disse a Charlotte Perriand  – “Nós não bordamos almofadas aqui”, mas não se absteve de fazer uso do seu talento para obter algo que ele nunca foi capaz de projectar, mobiliário. Hoje as três icônicas cadeiras, a B301, B306 e a LC2 Grand Comfort são do Le Corbusier. Mas como nos elucida a doutora Silvana Barbosa Rubino na primeira patente destas cadeiras o primeiro nome era de Perriand que foi remetida para trás negociação após negociação até o seu nome ser retirado por Le Corbusier, que ficou como único criador das mesmas.

A verdade é que Le Corbusier nunca mais desenhou (se esse foi o caso) qualquer tipo de cadeira após a saída de Perriand do seu escritório.

Um outro e flagrante exemplo de como as arquitectas eram tratadas é bem óbvio em   “America meets Charles and Ray Eames” em que apresentadora começa apresentando o grande Charles Eames para depois introduzir a ajudante Ray Eames. Na verdade Arlene Francis (a apresentadora) põe sempre Ray numa posição inferior a do marido, ainda que todos os projectos realizados no gabinete tenham sido em co-autoria. Este é um dos grandes problemas, central e flagrante, mulheres que inferiorizam mulheres.

Em 2015 continuamos a ser o segundo sexo de que nos falava Bouvoir. Na arquitectura não é apenas porque é um mundo de homens, mas é porque a maioria das mulheres arquitectas não querem concorrência no feminino. Talvez por um certo orgulho de conseguirem vingar num meio altamente hostil, talvez pela própria negação no que diz respeito a descriminação de género. 
Ser mulher e ser arquitecta é um caminho que precisa de ser desenhado e redesenhado até ser bem sucedido. Deveria talvez começar com a consciencialização que as batalhas travadas desde o  inicio do século XX não estão ganhas, quando a organização internacional do trabalho prevê que só existira igualdade salarial em 2086 isto significa no meu caso, que nunca terei direito a usufruir dessa igualdade.

Talvez fosse útil que as mulheres, arquitectas bem sucedidas abraçassem a causa sem o medo de ser mulher, ainda que não partilhe da ideia de dividir as águas. Não penso que seja benéfico para a profissão, ou para a mulher, criar prémios apenas personalizados, lugares cativos, afinal a luta é pela igualdade, estou certa? E por fim, mas não menos importante por a história no seu devido lugar e deixar que as mulheres, arquitectas, artistas entrem nas nossas salas de aula, sejam estudadas, tidas em conta e sirvam de exemplo para as gerações futuras.

Para mais informações visitar: https://undiaunaarquitecta.wordpress.com

Homeland, until the last drop – Transformações

Etapa 1 – Candeeiros

“Agora fujo da obra de arte, não quero venerar outra coisa senão o Sol. Reparou de certo que o Sol detesta o pensamento; ele faz com que este se afaste e tome refúgio na sombra. No princípio, o pensamento viveu no Egipto; o Sol conquistou o Egipto. Viveu na Grécia durante muito tempo; o Sol conquistou a Grécia, depois a Itália e depois a França. Nos nossos dias, todo o pensamento foi empurrado para a Rússia e Noruega, onde o Sol nunca chega. O Sol tem ciúmes da obra de arte.”


Oscar Wilde em conversa com André Gide, relatado por Yehuda E. Safran em: A Pressão da Luz / Notas sobre a luz no trabalho de Álvaro Siza (Prototypo nº: 9)

Quando o sol não entra, a obra e pensamento nascem, parti do papel em branco, de um simples candeeiro de papel japonês. Belo na forma, simples na presença e por capricho das circunstâncias pronto para se transformar em Homeland.
Candeeiro de papel

Recortes e mais recortes, plantas, títulos, coisas importantes. A pinha.

Imagem 1 – Dia                                                                                                                                             Imagem 2 – Noite
A flor que não sabe ser. Nascida do improviso e da febre de criar.

Mais de 800 circunferências do mais precioso papel de arroz. 
Não poderia ter outro nome – Mandala.

Etapa 2 – Mesas
Lojista. O mote é a improvisação.

Campestre. Combina com chá, domingos de manhã, fins de tarde de sol ou sábados de chuva.

Etapa 3 – Guarda tudo
Home. Casa das coisas pequeninas.

© Susana dos Santos

Homeland, until the last drop

Voltei da última Bienal de Veneza, 14º – http://www.labiennale.org/en/architecture/index.html com dois jornais debaixo do braço. Retirei-os de um espaço entre espaços, um lugar de passagem para outras exposições, “pelo menos podiam ter um café e uma nata”. Poderia divagar durante longos parágrafos nessa frase, mas não é aí que me vou demorar.
Prefiro focar-me no dilema com que fico após folhar, ler e reler o que me interessa de um jornal. O jornal tem um caracter temporário, fugaz, passageiro, não é algo que se guarde para mais tarde, a menos que seja o tal recorte de jornal.
Contudo as árvores que deixaram de existir para que o devaneio humano de ler e deitar fora toma-se forma, não tinham um caracter fugaz- ” Trees and people used to be good friends” (My Neighbor Totoro)
Homeland, news from Portugal. O que fazer com este pavilhão temporário feito de espíritos, guardar ou deitar fora?
Nasceu da paixão pelas árvores, o  projecto –  Homeland, until the last drop – uma postura consciente e responsável.


Casas como gente

Parte I –  A casa das portadas verde-esmeralda









1935 © Susana dos Santos






Corria o ano de 1935, no centro da Europa nascia secretamente e contra o Tratado de Versalhes a Luftwaffe da Alemanha Nazi. A Itália invadia a Etiópia sem sofrer qualquer tipo de condenação, nem mesmo quando fez uso de armas químicas contra civis. Aquando da invasão a Etiópia era governada por Hailé Selassié, um homem que lutava pela igualdade.

“Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa for mais importante que o brilho dos olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até a esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal.”  – Discurso na Liga das Nações (1936)




Estavámos no ano de 1935 quando a casa com portadas verde-esmeralda tomou forma, nasceu para ser abrigo, ergueu-se em tempo de guerra e guarda até hoje, o túnel de fuga, o bunker de refugio. A casa que carinhosamente irei apenas chamar, 1935, veio-me parar as mãos na doçura dos seus 80 anos, conhecer cada um dos seus detalhes foi como conhecer alguém, fazer um amigo. A lição que retiro, sempre, até da mais pequena intervenção arquitectónica, centra-se em deixar ser, o lugar e/ou construção que me é apresentado. Esse caminho feito de descobertas intimas, faz-me sentir apaixonada pela a oportunidade única que é conhecer espaços, tempos, pessoas e pensamentos que já aconteceram, que ficaram, que estão perdidos mas podem ainda ser resgatados… E se estiver com o coração e mente no lugar certo, criar e/ ou recriar espaços onde novos ideais possam surgir, onde outros possam perdurar; e deixar viver – não conheço maior beleza que essa.


I’m not a photographer

Bagno Vignoni, Polaroid, 1982
No mês de Agosto de 1979 Andrej Tarkovsky escreveu que tinha que procurar uma Polaroid porque queria fazer algumas fotografias.
Nesse tempo trabalhava com o poeta Tonino Guerra no cenário do seu filme Nostalgia.
Esta fotografia representa um dos cenários do filme, descoberto por Guerra e Tarkovsky na Toscana.
No seu livro O tempo selado o cineasta escreveu:
“A imagem é algo indivisível e inalcansável, depende tanto da nossa consciência do mundo real que tende a incorporar-se. Se o mundo é enigmático, também a imagem o será. É uma especie de equação que indica a correlação entre a realidade e a nossa consciência limitada ao espaço euclidiano.
Não temos percepção do universo na sua totalidade. A imagem é uma impressão da realidade que nos é dada a conhecer através dos nossos olhos cegos. A imagem corporificada só é verdadeira, se nela aparecerem lugares que exprimem a realidade, tornando-a única e incomparável, como a vida, mesmo nos acontecimentos mais simples.”
Tradução livre do livro Io non sono fotografo… (Leica)


Konstanz

Konstanz

“Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades…


Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei…


Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser…

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro…

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser…

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências…

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que…
não sei onde…
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi…

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês…
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados…
para contar dinheiro… fazer amor…
declarar sentimentos fortes…
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
“I miss you”
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades…
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência…”

Clarice Lispector