Homeland, until the last drop

Voltei da última Bienal de Veneza, 14º – http://www.labiennale.org/en/architecture/index.html com dois jornais debaixo do braço. Retirei-os de um espaço entre espaços, um lugar de passagem para outras exposições, “pelo menos podiam ter um café e uma nata”. Poderia divagar durante longos parágrafos nessa frase, mas não é aí que me vou demorar.
Prefiro focar-me no dilema com que fico após folhar, ler e reler o que me interessa de um jornal. O jornal tem um caracter temporário, fugaz, passageiro, não é algo que se guarde para mais tarde, a menos que seja o tal recorte de jornal.
Contudo as árvores que deixaram de existir para que o devaneio humano de ler e deitar fora toma-se forma, não tinham um caracter fugaz- ” Trees and people used to be good friends” (My Neighbor Totoro)
Homeland, news from Portugal. O que fazer com este pavilhão temporário feito de espíritos, guardar ou deitar fora?
Nasceu da paixão pelas árvores, o  projecto –  Homeland, until the last drop – uma postura consciente e responsável.


Casas como gente

Parte I –  A casa das portadas verde-esmeralda









1935 © Susana dos Santos






Corria o ano de 1935, no centro da Europa nascia secretamente e contra o Tratado de Versalhes a Luftwaffe da Alemanha Nazi. A Itália invadia a Etiópia sem sofrer qualquer tipo de condenação, nem mesmo quando fez uso de armas químicas contra civis. Aquando da invasão a Etiópia era governada por Hailé Selassié, um homem que lutava pela igualdade.

“Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa for mais importante que o brilho dos olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até a esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal.”  – Discurso na Liga das Nações (1936)




Estavámos no ano de 1935 quando a casa com portadas verde-esmeralda tomou forma, nasceu para ser abrigo, ergueu-se em tempo de guerra e guarda até hoje, o túnel de fuga, o bunker de refugio. A casa que carinhosamente irei apenas chamar, 1935, veio-me parar as mãos na doçura dos seus 80 anos, conhecer cada um dos seus detalhes foi como conhecer alguém, fazer um amigo. A lição que retiro, sempre, até da mais pequena intervenção arquitectónica, centra-se em deixar ser, o lugar e/ou construção que me é apresentado. Esse caminho feito de descobertas intimas, faz-me sentir apaixonada pela a oportunidade única que é conhecer espaços, tempos, pessoas e pensamentos que já aconteceram, que ficaram, que estão perdidos mas podem ainda ser resgatados… E se estiver com o coração e mente no lugar certo, criar e/ ou recriar espaços onde novos ideais possam surgir, onde outros possam perdurar; e deixar viver – não conheço maior beleza que essa.


I’m not a photographer

Bagno Vignoni, Polaroid, 1982
No mês de Agosto de 1979 Andrej Tarkovsky escreveu que tinha que procurar uma Polaroid porque queria fazer algumas fotografias.
Nesse tempo trabalhava com o poeta Tonino Guerra no cenário do seu filme Nostalgia.
Esta fotografia representa um dos cenários do filme, descoberto por Guerra e Tarkovsky na Toscana.
No seu livro O tempo selado o cineasta escreveu:
“A imagem é algo indivisível e inalcansável, depende tanto da nossa consciência do mundo real que tende a incorporar-se. Se o mundo é enigmático, também a imagem o será. É uma especie de equação que indica a correlação entre a realidade e a nossa consciência limitada ao espaço euclidiano.
Não temos percepção do universo na sua totalidade. A imagem é uma impressão da realidade que nos é dada a conhecer através dos nossos olhos cegos. A imagem corporificada só é verdadeira, se nela aparecerem lugares que exprimem a realidade, tornando-a única e incomparável, como a vida, mesmo nos acontecimentos mais simples.”
Tradução livre do livro Io non sono fotografo… (Leica)


Dreams

” (…) eu, que, desperto na encruzilhada, não sabia de onde viera.” – Bernardo Soares

 
Os sonhos são uma mistura de desejo e realidade. Neles cada Ser possui a dimensão do seu imaginário, da sua alma. Não existe certo ou errado, falso ou verdadeiro, barreiras linguísticas, temporais ou geográficas.

Procurar respostas ou deixar-se ir, permanecer debaixo da água por tempo indefinido e sair ileso.

Idealizar respostas, alcançar o inatingível e, ainda processar todas as informações, catalogar os trajectos de uma outra vida.

Ser-se arrastado de volta par uma dimensão diversa e recomeçar…

Seguir, ou ficar parado; transgredir ou permanecer submerso; enfrentar ou virar as costas? No final tudo se resume a um simples processo, despertar!

Acordar numa realidade imaginária, numa encruzilhada vivencial, sonhar o irreal de uma verdade quotidiana.
Estar desperto e andar como quem dorme, dormir e viver como quem existe.

“Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.” – Bernardo Soares

 

 

“I, who, despair at the crossroads, did not know where I came from.”

Dreams are a mixture of desire and reality. In them each Being possesses the dimension of his imaginary, of his soul. There is no right or wrong, false or true, linguistic, temporal or geographical barriers. Look for answers or let yourself go, stay underwater indefinitely and leave unscathed.                      

Idealize answers, achieve the unattainable and still process all the information, catalog the tracks of another life.                                                                                                                                                                  

Being dragged back into a different dimension and starting over …                                                                

Follow, or stand still; transgress or remain submerged; face or turn away? In the end it all comes down to a simple process, wake up!              

To wake up in an imaginary reality, at an experiential crossroads, to dream the unreal of a daily truth.
Be awake and walk as those who sleep, sleep and live as one exists.

“Some have in their lives a great dream and they lack that dream. Others have no dream in their lives, and they lack that too. “- Bernardo Soares

Konstanz

Konstanz

“Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades…


Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei…


Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser…

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro…

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser…

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências…

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que…
não sei onde…
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi…

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês…
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados…
para contar dinheiro… fazer amor…
declarar sentimentos fortes…
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
“I miss you”
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades…
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência…”

Clarice Lispector

Nómada

Viagem de comboio ( uma de tantas 2013)

Henri Cartier-Bresson (1947) – Writer Henry Miller

Disseram-me um dia que sou nómada; e nesta vida que levo, não posso trazer tudo comigo.
Há que substituir o peso dos livros impressos por um Ipad, há que ler de um ecrã, há que esquecer o toque, a cor e o calor de cada folha.
Neste vai e vem, dou por mim a meio da noite a sentir falta de Pessoa, do meu livro do Desassossego, velho, amarelo, íntimo.
Tento relê-lo na minha mente e doí a ausência.
E aquela frase que li não sei onde, que ficou não sei com quem, foi-me arrancada do peito… Há dias  que a procuro, nesta demanda para lugar nenhum.