Não sou Poeta

Não sou poeta, nos meus dias vagos, nem pessoa sou. Sou um misto de loucura e fantasia, sou dor!

Essa dor que todas as manhãs esfrego na esperança de me livrar dela, soltar-me e finalmente conseguir ver…Não sai!
Só me desamarro naqueles breves instantes em que o meu sangue jorra e estou completa. Num vermelho vivo que corre oculto, cá fora continuo cinzenta. Cinzenta como estes dias de Inverno, em que nunca amanhece!
Chama-me o dever, dever de criar. Ilusão estúpida que deslumbrei na idade de querer, tanto tempo dava para ser feliz!
Esta ilusão que me comovia e alguém deu o nome errado, arrasta agora a minha miséria no encaixe sequencial de  mais um espaço. Não é maravilhoso…é monotonia!
Quem a pintou romântica, bela, sublime, não a retratou, apenas sonhou!

Deambulando pela cidade

Hélène Binet – Museu da Arte séc.XXI  (arq.Zaha Hadid)

Hoje o que me trás é o sentimento experimentado, não exactamente aquele que todos tentam por em palavras bonitas para que o projecto faça sentido.

Tendo estudado num país tão rígido e organizado como a Suíça, aprendi sem questionar muito a obedecer as regras, a fazer parte do sistema. Mas aprender não é sinónimo de aceitar! No país onde tudo parece ser milimetricamente estudado ao segundo, onde o comboio não se atrasa e a mulher pelo altifalante sabe exactamente o momento em que deve informar-te da linha. Às vezes tenho a sensação de ser uma peça num tabuleiro de jogo. Alguém, por força de uma luz invisível sabe que estou meia perdida e que devo ser informada.
Por vezes essa precisão irrita-me, menos hoje que na adolescência em que me debatia, pela ausência de desculpas para fugir à regra.
Essa mesma rigidez leva-me ao maravilhoso sentimento que sinto nos dias nublados em que posso percorrer o Porto, sem ambições de chegar a horas para um encontro comigo.
Deambular, essa loucura que apenas os mendigos por força maior tendem a fazer numa cidade, é um sentimento maravilhoso. Deixar-se levar, por pedras demasiado polidas que se divertem das acrobacias que fazemos para não cair. Pelas rajadas de vento que nos obrigam a ver as vistas nas pontes. Olhar… e depois ver, mas ver com sentimento o que está diante de nós. Sem criticar, os porquês. A construção é má, está em mau estado, não se enquadra. Etc. Não importa!
Deixar a arquitectura falar…querer deveras ouvir, ser-se surpreendido.
Nos últimos dois anos, o meu deambular culmina sempre num conjunto de edifícios devolutos na outra margem  do rio Douro. Ainda que possa pensar que é uma obrigação que me leva até lá, não é uma verdade.
Aqueles armazéns que há tanto tempo me atormentam numa batalha que não sinto, nem sei se alguma vez vou sentir vontade de travar, são um refúgio.  
Velhos conhecidos, que gosto de revisitar. Maravilhar-me com as mudanças que o tempo lhes induziu. São belas e tristes as alterações. Belas porque revelam mais hoje a essência daquele lugar do que no passado, tristes, porque caminham a passo galopante para o esquecimento.
A cidade é isso na sua grande maioria, esquecimento, pessoas sem rosto, tempo comprimido e lugares sem alma.
Sinto, que o papel daquele que tem voz activa na cidade, no local, deve ser dar resposta a todas as necessidades que promovem a qualidade e vida. Espaços bem desenhados, tencionados, luminosos, felizes; mas acredito também, que essa vivência interior, não deva ser fruto do esquecimento exterior.
Vida é igualmente vaguear pela cidade, sentir o chão por baixo dos pés, num espaço pluralista com um denominador comum, o Homem.
Sei que por entre a rigidez da ordem vivem espaços que permitem respirar, conheço lugares empedernidos na sombra que exalam ainda luz.