A perda

Kally

Suguei todas as más energias até que não deu mais

Quando me encavalitei aos teu pés, não exalavas a tristeza medonha 

com a qual agora te deixo

Deixo-te

Hoje num dia de chuva, suspiro pela última vez,

enquanto tu continuas a importares- te com a limpeza

Amei-te tudo o que pude

Já não há mais tempo

Já não tenho a energia para ver-te florescer

Dói-me deixar-te, deixar-vos

Deixar o ninho onde nós os três crescemos

Eu

Deixaste-me hoje

Chove, chove como vai chover durante muitos dias no meu coração

É culpa minha, não é?

Desisti de mim e com isso de ti, de nós

Queres com a tua partida deixar-me nos mais profundos dos poços?

Sei que não. Sei que ainda não querias partir

Fui eu que te deixei ir e não tu que me abandonaste

Não há escapatória para mim

Aqui onde amanheço, esmoreço

Renascerei como uma fénix ou então serei vazio

Ama-me mais um pouco

O tempo passa, Kally

As horas continuam a correr sem tu estares aqui

Agora vejo

Agora vejo e entendo tantas coisas que não percebia antes

Não foram os móveis que encheram as casas onde moramos

Foste tu

A tua presença irradiava tanta luz que preenchia até os cantos mais sombrios

Por vezes sinto-me irritada contigo porque te foste

Não há caminho onde tu não estás

O teu companheiro de brincadeira está inconsolável

Saudosa Maloca

MAXXI Foundation 1960 — Carlo Scarpa

Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa é provavelmente uma das músicas mais tristes que qualquer arquitecto pode ouvir.

A música começa, com um narrador a fazer-nos notar, que no lugar daquele edifício novo e imponente outrora existiu um palacete abandonado. Vivia lá com mais dois amigos e um dia o proprietário demoliu o edifício. Os habitantes clandestinos, da casa que ninguém queria, ficaram desabrigados, forçados a dormir no chão de um jardim.

Quando ouço esta música a primeira coisa que me vem à mente é a especulação imobiliária, mal da nossa sociedade moderna, que olha para os terrenos apenas como um meio de obter lucro. Massifica-se quarteirões, empilham-se vidas, para que alguns, poucos, possam viver alienados dos outros e ainda assim não saibam o significado de habitar. Esse mesmo desejo de lucro desenfreado torna-nos cegos para aqueles que tentam subsistir num mundo onde não se encaixam. Os sem abrigo do mundo, os desajustados da sociedade são facilmente encarados como parte da paisagem, verdes como a relva, cinzentos como os vãos das escadas, fundidos com fundo, deixam de existir.

A música continua, “cada tábua que caía doía no coração”, a relação sentimental que tinham com a casa, carinhosamente apelidada de Maloca, é profundamente tocante.

Maloca é o nome dado a um tipo de cabana dos povos indígenas da amazônia, sinônimo de singularidade e memória, mas também de união. Sentimentos raros de atribuir a construções de habitação nos tempos que correm. Hoje na maioria das vezes as pessoas tratam as habitações como dormitórios, os próprios arquitectos já desenham com a maior naturalidade do mundo os apartamentos como quartos de hotéis. Os habitantes do inabitável passam de lugar em lugar, sem estabelecer qualquer tipo de relação emocional com os espaços que habitam. Esses mesmos espaços parecem já terem sido desenhados sem alma, como tal, é quase impossível preenchê-los com o que quer que seja.

Contudo na música habitantes ilegais haviam dado nome ao palacete, transformando uma construção abandonada, num lar, num espaço de sentimentos e lembranças. Ela era deles, eles eram dela, pertenciam uns aos outros, a relação transpunha a barreiras e conceitos filosóficos da matéria inanimada. O fim da música fala-nos sobre isso, cantam para ela, para a sua saudosa Maloca. O lugar onde viveram dias felizes, abrigados e de esperança. Maloca não era apenas uma construção, uma sucessão de espaços, era uma entidade querida, uma amiga, uma presença que confortava.

Onde mora a esperança e a felicidade nos edifícios que construímos hoje?

Que relação estabelecemos com as quatro paredes onde existimos?

Quem lhes vai tecer louvores quando desaparecerem, quem sente ainda que as casas permitem a vida existir, quem fica ainda de coração pesado por perder o seu abrigo?

Quando vejo ou leio notícias em que as pessoas perderam o espaço onde moravam, ouço-as a dizer em lágrimas “perdi tudo o que tinha”

O que significa isso? Choram os bens materiais, ou haverá alguma parte delas que também chora a perda desse ente querido que lhe deu proteção?

Quando era criança, na aldeia onde os meus avós moravam, uma senhora de idade perdeu a casa para um incêndio.

Ela repetia em pranto “A minha casinha, a minha casinha.”

Haveria nessa casinha, algo mais que dormir, comer e arrumar os objectos que acumulou durante a vida? Acho que sim, a repetição “a minha casinha”, quase como um mantra, punha por palavras a perda de algo maior, que lhe era profundamente querido.

A saudosa Maloca representa esses espaços, aqueles onde não só onde existimos, mas onde nos transformamos através deles. É imperativo que o mundo volte a ser povoado por essas construções.

“Estas casas sem brilho — não sei o que são, não sei como as pintam.Vê-se que estão todas mortas.” — Peter Zumthor, Atmosferas

A queda

Vou-vos contar uma história

Há muito, muito tempo, numa terra distante, pessoas diferentes, não em forma, mente ou feitio, mas em tom de pele eram proibidas de entrarem em teatros, restaurantes que não possuíssem etiquetas para a sua étnia, até as casas-de-banho não podiam ser as mesmas.

Essas pessoas não representavam nenhum perigo para os outros, eram apenas diferentes na cor, mas por causa da sua aparência foram reprimidas.

Mais tarde, bastantes anos mais tarde, pessoas de cor e não começaram a ficar doentes. Muitas eram banidas, evitadas, outras foi-lhes mesmo recusado o tratamento em hospitais.

Essas pessoas representavam um perigo mínimo para os demais, estavam doentes e precisavam de ajuda, mas por causa disso foram mal tratadas.

Anos mais tarde, pessoas de todas as cores, devido a vários factores foi-lhes impossível a toma de uma vacina, crucial para o mundo voltar ao frenesim que era.

Por causa disso foi-lhe vedado a entrada em diversos locais, foi-lhe proibido viajar ou ter uma vida normal, porque elas não faziam parte da maioria.

Essas pessoas não representavam um perigo para os outros, os outros representavam um perigo para elas. Porém os outros desprezavam o valor do nós e como nesse tempo se cultivava o egoísmo do eu, elas foram deixadas para trás, como se as suas vidas fossem desprovidas de valor.

Estas três histórias são a definição de racismo, xenofobia e segregação. Sentimentos que levaram aos surgimento do Aparteide, Regime Nazi, etc. A maldade caras crianças e crescidos, não mora só nos livros de história, não tem lugar no passado, acontece todos os dias, aqui e agora, quando preferimos olhar para o lado e negar a nossa natureza empática.

2020 – hell of a life

Escrevi o texto que se segue há quase três meses atrás, é hoje ainda mais premente que então. Os números com que lidamos hoje, a tal segunda vaga, são fruto de quê? 

Para que serviram os lockdowns se era para uns meses depois deitar a toalha ao chão? Medidas e mais medidas que ninguém, absolutamente ninguém controla! Máscaras de pano feitas em casa, máscaras a cobrir só a boca, idiotas que se acham invencíveis sem ela, eventos, festas privadas… De que serviu o lockdown? Para quê começar um maratona se não havia intenção de acabar? A sociedade actual vira as costas sempre que fica difícil, no capricho das suas vontades vira as costas até à própria existência.

A economia pode colapsar?

Faço-vos uma pergunta escandalosa: quem é que inventou a economia? Agora faço-vos outra: quem é que inventou a vida, quem nos deu a centelha que nos permite existir? Qual delas é que pode ser mais fácilmente reajustada, reinventada e reinterpretada, sem danos se assim o quisermos?

Nós somos os mestres do nosso próprio destino, mas não o somos da vida!

Na primavera as pessoas tremiam de medo, mas é no outono que mora o perigo.

My friend, mon ami, watashi no yūjin

2020 it’s been hell!

Assim é como facilmente poderia começar este texto, quando penso nos sete meses vividos deste ano. Começamos por ficar confinados a vermos a vida passar pela janela. “Isto passa” dizíamos todos baixinho, “Quando chegar o verão já não é nada”

E cá estamos nós, no verão! Saímos de casa com máscara, pensamos (alguns) 3-4 vezes se o sítio onde queremos ir, se temos mesmo que ir. Comer fora? E se a pessoa que me atender, aquela que cozinhar estiver doente e não sabe? 

Está um dia de calor tremendo, ir nadar?

E se uma, apenas uma das pessoa que lá estiver estiver infectada?

Eu sobrevivo a isso? Eu sobrevivo, claro. Sobrevivo mesmo?

Dor de cabeça, um pouco de tosse na rua e faz-se cambalhotas interiores impossíveis para não fazer um único movimento suspeito. Não se quer ser alvo de indagação, Todos, qualquer um é um alvo em potencial. Não, eu não tenho Covid, acho que não tenho. Sinto-me bem.

Até podes não ter o tal vírus, o maldito do Corona que não larga a manchete dos jornais. Destruidor da vida quotidiana, da economia, de sonhos, de esperança, da vida… Ele é hoje o culpado de tudo, culpado até da culpa existir. Mas não foi ele que criou as nossas economias insustentáveis, nem foi o realizador desta vida absurdamente rápida e consumista que levamos. Se há culpa que ele pode carregar é por deixar os nossos corpos fracos, é por tirar de nós entes queridos, é só essa a factura que lhe podemos passar. Se é grande? É imensa!

Agora para aqueles que jogam na roleta russa, com a vida deles e dos outros, é o vírus que tem culpa? Não!

Quando as coisas estão mal organizadas, há um limite para a culpa que o vírus pode ter. O vírus faz a sua parte, mas o grosso é feito por nós e pela nossa falta de organização sistêmica.

A minha linda e maravilhosa gata de 13 anos morreu há pouco tempo. O Covid teve culpa? Nunca saberei. A verdade é que o facto de terem fechado tudo, de não quererem saber de mais nada teve uma boa parte nisso. De repente todas as outras doenças parecem ser irrelevantes, todas a vidas que não sejam humanas também. 

O meu mundo desmoronou a partir daí, a partir do vírus? Não, a partir do dia em que a perdi. Vi mais salas de urgências e médicos em um mês que durante a minha vida inteira. Ainda assim qualquer suspeita, qualquer pequena dor que pode ser um milhão de outras coisas lá se vai parar, ao lugar onde de facto é provável que possamos contrair o Covid 19.

Fui recebida com guarda cerrada, como criminosos prestes a ser sentenciados. Ficamos alí, com papéis na mão a olhar uns para os outros, questionei-me se aquela pessoa duas cadeiras ao lado, que parecia estar a arder em febre seria o meu pesadelo futuro. Esperar, enfiarem-nos um cotonete de um tamanho medonho no nariz, sofrer. Primeiros resultados negativos. Ainda assim, ficar em isolamento, ver a vida acontecer do lado de fora. Todo este stress, físico e emocional, com baixa de dois dias, não mais de dois dias, porque o meu dever e de todos é trabalhar. É continuar nesta roda viva, se formos morrer de qualquer vírus, este ou futuro que seja para contribuir economicamente.

Se morrer amanhã, porque a economia não pode parar, porque a ganância de destruir o planeta não pode cessar, pelo que serei lembrada?

Pelos objectos que trazia na carteira, pelos sonhos pendurados na parede que nunca chegaram a acontecer?

Escrevo-vos daqui, não do isolamento, mas de uma vida pseudo normal, porque o teste deu negativo. O tratamento real da doença que provocou os sintomas ficou para depois, ficou para quando a minha vida, a minha presença não represente uma ameaça para outros. A vida dos outros representa uma ameaça à minha? Quem sabe!

É cansativo olhar à volta e ver no próximo sempre um potencial perigo. Viver assim, não é viver, é uma sobrevivência cavernosa. Kant filosofou sobre a necessidade absoluta de seguirmos uma moral elevada, uma conduta de responsabilidade perante o outro. Não é só “o homem está condenado a ser livre” de Satre, é uma liberdade racionalista. Esta liberdade faz muita falta neste dias sombrios, em que a vontade caprichosa do outro, a irresponsabilidade do outro, faz de todos alvos.

É assim tão difícil adiar uma viagem, não ir aquela festa, usar a máscara como deve ser (tapar só a boca não funciona, lamento), não estar em cima do outro, não fazer do supermercado a praça das conversas fúteis? Será isto pior que o labor de Sísifo? Não me parece. Então porque não somos capazes?

Existe um eu no nós, mas dificilmente um nós no eu. Gerações e gerações mimadas e egoístas que acham que a sua sobrevivência depende apenas delas mesmas, que as suas acções dizem respeito apenas a elas. O vírus Corona, tal como a peste, a febre espanhola e outros que tais põe-nos cara a cara com a nossa maldição – o egoísmo.

Quando o Homem “se abstém de pensar e deposita a confiança em velhas ou mesmo novas verdades – lançando-as como se fossem moedas com que se avaliassem todas as experiências, a própria humanidade perde a vitalidade”, – Hanna Arendt

O país dos cegos

Ciel-Terre – Bang, Hai Ja. 2011
A situação actual faz-me pensar no País dos cegos de H.G.Wells (bem para quem não leu é melhor parar aqui e voltar mais tarde).
Várias vezes me senti na aldeia dos cegos. Após dez anos da formação requerida a minha visão arquitectónica é basicamente oposta aquela na qual fui instruída. Por vezes penso que fosse melhor chegar a um ponto de consenso, a um território comum. Mas como, quando todas as fibras do meu ser me orientam para outra direcção?
Não caber nas convenções, não aceitar seguir o que nos dizem e ensinaram, não é ser intransigente ou rude, é apenas voltar a refazer as perguntas que poucas gerações tem a coragem de fazer.

Só pode ser mesmo assim?
Isto não pode ser feito de outra maneira?
Temos que continuar a perpetuar este sistema?

Sim, significa chocalhar as coisas, sair da zona de conforto e é por isso que pessoas que ousam questionar e repensar o que lhe foi dito são vistas como personae non gratae.
Não é o mesmo que acontece na aldeia dos cegos? Quando Nunez chega, primeiro pensa em dominar aquela aldeia de cegos, acha-se superior a eles, ele pode ver, eles não. Mas com o passar do tempo, eles como maioria conseguem subjugá-lo à sua vontade até ao ponto de ele equacionar perder a visão para ser um deles. Também não o fazemos?

Olhamos para os outros, para aqueles que achamos diferentes de nós, queremos que eles vistam como nós, pensem como nós, vivam como nós. Não aceitamos que realidades diversas possam ser bem-vindas, que entrar numa conversa de mente aberta não nos faz perder a identidade. Até muitos daqueles que vêem o outro lado do mundo ainda se mantêm na ideia mundana das coisas. Porque ver é diferente de olhar! O olhar requer um foco de atenção que não estamos dispostos a dispensar neste mundo veloz.

Desde crianças somos moldados para sermos como os outros. Desde pequena que havia choros quase todas as refeições em casa dos meus pais, porque me recusava a comer a carne. A forma de me alimentarem, era a mesma como eles tinham crescido, logo não viam uma possibilidade diferente. Eu tinha que me moldar e aceitar a ordem pré-estabelecida. Foi preciso crescer, tornar-me na minha própria pessoa  para que a carne deixa-se de estar no meu prato. Moldar e ser moldado, redefinir os pensamentos para que se enquadrem na sociedade onde vivemos. 

Acontece também nas escolas, com os professores. Foram poucos os que durante o tempo de aprendizagem vieram ao meu encontro. É um longo processo conseguir se abster, subjugar o ego, para que a outra mensagem possa passar. Não era o que eles pensavam da arquitectura, mas o que eu pensava dela, não era a interpretação que eles tinham do mundo, mas a que eu tinha através de análises, referências e sensibilidades.

Cada um de nós possui a sua própria história e como consequência visão do mundo. Há pilares basilares na arquitectura, mas a partir daí cada um navega na arquitectura e no mundo, com a bagagem que foi adquirindo ao longo do tempo. Não é por isso cruel, pedirem a seres únicos para trabalharem como máquinas, que apenas manuseiem máquinas? Cada um de nós brilha quando está no lugar certo a fazer aquilo que lhe é destinado, acredito piamente nisso. Esse qualidade confere significado ao que fazemos e à própria vida.
“A qualidade é o respeito pelo povo”, uma afirmação do Che Guevara que eu acrescentaria, a qualidade deveria ser o respeito pela vida.

Não é porque a maioria pensa de determinado modo que se deva cegar perante o sentimento que se possui e abafar os valores nos quais desabruchamos.
É algo íntimo, viver. 

“A minha liberdade acaba onde começa a do outro” 1, sim, mas isso significa que toda a acção tem uma reação. A  nossa visão do mundo é ampliada, alterada e completada na interação com o outro. Por isso, a nossa construção do mundo deve ser feita de respeito e tolerância, como num tango. Por vezes é preciso recuar para deixar o outro florescer.No final todos brilham sob a mesma luz - a da igualdade na unicidade da vida.

Finalmente Bogotá (como lhe chamavam os cegos) num último momento de lucidez prefere a luz, prefere a travessia, que talvez o leve à morte, que viver uma vida acomodada na escuridão. Não será um fim para todos nós?
Ainda que doa olhar, não será preferível a viver uma vida longa e amorfa na ignorância de velhos estigmas?

"The opposite of courage in our society is not cowardice, it's conformity."
― Rollo May



1Herbert Spencer

Beauty that resonates

When we turn to normality and the priority are luxury items, one can think what is it that this time of confinement taught us? 
What are the values that matter to preserve? 
What is the change that we must adapt to be better, to build a possible future for everyone?
What does freedom mean? 
What does our responsibility to the planet mean?

In this gradual opening, what I miss most is listening to someone inspiring in a concert hall. A great one like Yo Yo Ma, playing one of the best soundtracks ever - Cinema Paradiso.
Isn't Tornatore, with its touch of genius, what we should be missing?
That people like him can return to filming, dancing, singing, playing, sculpting, painting… so that we can see/feel master pieces that depict life and high values?
When I think of beauty, Cinema Paradiso always cross my mind, along with the magical cello of Yo Yo Ma. If it were my last day on Earth, this set would make me perfectly happy, knowing that humanity is capable of creating such beauty that resonates in time and space. I am humbly grateful for that.
No, I don't want sandals, luxury wallets, earrings, or any other item more or less futile, but I miss what feeds the soul and elevates us to the level of Gods - I miss Art.

The Normality – Day 31

TERRE DES NÉBULEUSES, 1965 – Max Ernst
O que é voltar a normalidade?
Desflorestar, produzir em massa, olhar para um céu riscado de aviões, o canto abafado dos pássaros no trânsito citadino? Estratificar, quantificar, classificar, manipular...
O que é a normalidade?
Sair de casa a correr, perder horas em deslocações desnecessárias, sucumbir a reuniões intermináveis, competir em vez de colaborar? Repetir, fabricar, automatizar, gerar...
O que é a normalidade?
Comprar coisas para encher vazios, de tempo, de presença, de espírito? Sair, para voltar a fingir que se ouve? Alienar, acumular, exibir, invejar...
O que é normal?
Não questionar o porquê disto, continuar em frente como se nada tivesse acontecido, como se nada devesse ou pudesse ser mudado?
O que é normal?

Seguir em frente sem aprender a lição.

Há mentes fechadas, almas abafadas, verdades escondidas para além das quatro paredes onde existimos - chamamos-lhe normalidade, zona de conforto... Medo de reescrever, reinventar, repensar, evoluir!
What is it to return to normal?
Deforestation, mass production, looking at a sky streaked by airplanes, the muffled song of birds in city traffic? Stratify, quantify, classify, manipulate …

What is normality?
Running out of the house, wasting hours on unnecessary commuting, succumbing to endless meetings, competing instead of collaborating? Repeat, manufacture, automate, generate …

What is normality?
Buying things to fill voids, of time, presence, spirit? To go out, to pretend to be heard again? Alienate, accumulate, exhibit, envy …

What is normal?
Not to question why this is so, to go on as if nothing had happened, as if nothing should or could be changed?

What is normal?

Move on without learning the lesson.

There are closed minds, muffled souls, hidden truths beyond the four walls where we exist - we call it normality, comfort zone … Fear of rewriting, reinventing, rethinking, evolving!

Visual poems – Day 24

“Poets and painters are born phenomenologists.” – Jan Hendrik

 
We usually talk about the great masters of cinema, but they are always in the masculine. Well, keep your eyes open, because Maya Deren is lined up right there, at the top.
In your experimental work we see a great capacity to manipulate space and time, however what fascinates me most is the movement of the body.
This continuity of movement of the dancer builds the narrative, the alteration of the physical space, but above all, it is very tactile.
Deren's images arouse in the viewer a corporeal feeling. Perspecting the hot sand, the stones in the hands, being hidden behind the foliage, the body of the dancer in tension, etc., everything goes beyond the screen.
In this sense, I wonder where is the tactality of our spaces, the so called atmosphere?
Is this more difficult to create? 
If M. Deren was able through cinema to awaken us to these feelings, why are they so difficult to exist in the real world? 
I believe, that like poets and painters, filmmakers are also sensitive to the essence of things (beings and objects). Perhaps we architects can learn from them how to instill in the formal principles and intentions of architecture the warm essence of life.

Sketching humanism – Day 17

Desenhos de Viagem – A. Siza Vieira
Thinking of a more sensitive and humanistic architecture is easier said than done.
On the path I have taken, I rediscovered the method that the university I attended uses a great deal. Anyone who studies architecture has to know how to draw, this is not optional. In the first two years of the course, this is just as, if not more, important than learning the act of designing.
In the first year of the course, the intervention site was located in the richest part of the city. In the long afternoons that we started to draw those streets and landscapes with the sea in the background, the residents stopped, asked questions, commented and criticized. Above all they told stories, shared information and memories, some left us with complaints. Most of the population in that area were retired people, entrepreneurs, full-time mothers who lived in single-family homes. As young architecture students we were approached mainly by the elderly, when they came from their walks.
Thinking space © Atelier L’Agnès
From the beginning, we were encouraged to sell one or two drawings where their houses were represented. When I realize, I already had more orders than time. Some houses, due to their open perspective, were easy to draw, others on the narrower streets were hard to see. However, the most interesting phenomenon is that they wanted the houses represented in their entirety, when in fact they had an exterior wall of at least 2 meters. The gymnastics to put on paper a fictitious reality was not easy. What made me realize from a very early stage that nobody wants to live cloistered, that this vision takes away the beauty and feeling of home.                   
Parents want to say goodbye to their child, who is going to school, from the front door and they want to be able to follow him visually for a while along the way. Maybe that's why I partially buried the first building I designed, I didn't want to impose visual barriers on anyone.
Representing realities © Atelier L’Agnès
In the second year, they gave us a transition ground, between single-family houses and condominiums.
Sitting in the square, no one stopped to look, our presence was oblivious to passersby or at least uncomfortable.
Of the many afternoons and mornings that I spent in the place, I was approached only once (in a rude way), by a homeless annoyed that I did not represent him in the sketch.
I included him in my drawing and made another one to offer him with lunch. Meal that we both ate on the street, because his presence was not tolerated in the establishment. The space that refused him, he had it as a background numerous times. It is one of the icons of contemporary architecture, designed to embellish the city landscape and ignore life.
That year I designed a building that would rise from the ground to make way for a square, green spaces, a communion between public and private space.
Looking back, I might have done this because of the homeless person who dared to see me and shake me with reality.
Those two years and all that followed were not a mere drawing lesson, they were above all a tool for observing life.
The act of drawing presumes concentration, dedication and street drawing even leads to some discomfort. In the end we can have the representation of the place, the important elements to elaborate the architecture, but the most valuable lesson is the sensitivity to the act of living.
In the first case, I learned to listen, to look at a space that was unknown to me through the feelings and needs of others. In the second case, I learned to notice.

“If you can look, see, if you can see, notice.” – J.Saramago

Cities in their suspicious nature are silent, so it is even more important to know how to see what surrounds us. Represent it! Everything, without suppressing anything. I will be even more daring: draw what bothers you, let it simmer inside you, allow it to jump off the paper. You just found the problems, now find a solution.

Glorify life, design spaces to respond to problems and always return to drawing. It is a valuable and humanizing tool.