A house, a home – Day 14

Frontier – Martha Graham / I.Noguchi

“A arquitectura glorifica e eterniza alguma coisa. Quando não há nada a glorificar, não há arquitectura.” – Ludwig Wittgenstein

As casas deixaram de cumprir o seu propósito. O acto de habitar não é o mesmo que dormir com um tecto em cima. Costuma-se designar os sem abrigo, como sem-tecto. Contudo, existe uma grande diferença entre a casa que abriga e aquela que proporciona domicílio.

A primeira dá conforto não só ao corpo, mas também ao espírito. Dentro destas alojam-se pensamentos, guardam-se lembranças, crescem os sonhos, desenvolvem-se relações e cuida-se do corpo e da psique. Já a segunda resume-se a oferecer uma cobertura, mais um menos estética, para as intempéries (naturais e sociais). Como conseguinte, nesta última não é possível imaginar, nem desenvolvermo-nos como indivíduos singulares. Para o ser que frue estes espaços o único desejo, é a fuga. Fuga para o espaço exterior onde procura incessantemente um refúgio consistente que o permita ancorar-se com o tempo e a matéria. 

 O lar que antigamente abrigava a intimidade do seio familiar, as comemorações e padeceres, o desenvolvimento social do indivíduo, acontece hoje maioritariamente na rua. A nossa relação com o mundo que advinha do acto de habitar está hoje distorcido, num eixo cartesiano - espaço/forma. É-nos negado o eixo onírico e temporal  que envolve a nossa existência.

Temos uma imagem idílica da família à volta de uma mesa, mas quantas delas ainda se reúnem? A pergunta será ainda, quantas casas permitem ainda essa vivência? Em séculos passados o acto de receber significava fazer parte da sociedade. Dentro de salões e à mesa, as mentes mais brilhantes da nossa história, privaram, desenvolveram-se e deixaram manifestações da sua existência. Basta para isso pensarmos nos escritos de Proust, Tolstoi, Dostoievski entre outros. As descrições detalhadas dos cômodos não só nos oferecem o sentimento de habitar, mas interligam a essência do lugar à alma do habitante. O espaço edificado é uma prolongação da existência metafísica e corpórea daquele que o habita.

Em seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço […]. Aqui o espaço é tudo, pois o tempo já não anima a memória. A memória – coisa estranha! – não registra a duração concreta, a duração no sentido bergsoniano. Não podemos reviver as durações abolidas. Só podemos pensá-las, pensá-las na linha de um tempo abstrato privado de qualquer espessura. É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências” – G. Bachelard

Onde se alicerça nos tempos que correm a nossa memória?

Num restaurante , sala de aula, ginásio, parque, online? Enquanto as nossas habitações ficam obsoletas das suas antigas incumbências e diminuem de escala, de diversidade e criatividade; dá-se ao lugares comuns, a espaços sem rosto a árdua tarefa de nós acalentar, proteger e definir. Esperamos deveras que o berço de cada ser humano único e irrepetível seja exposto em praça pública? Não será que o fazemos já com as redes sociais?

Como é que isso é possível?

O acto de habitar é muito mais que o espaço onde temos os nossos bens, é mais que um conjunto de móveis, eletrodomésticos e sucessão de espaços. A casa refugia, cria e modela quem somos. Qual de nós não tem lembranças da sua casa de infância? 

Logicamente, é graças à casa que um grande número das nossas lembranças estão guardadas, e quando a casa se complica um pouco, quando tem um porão e um sótão, cantos e corredores, as nossas lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados. A eles regressamos durante toda a vida, em nossos devaneios.

– G. Bachelard

O lar da infância continha o nosso mundo interior. Foi nele que desenvolvemos ideias, conceitos mentais e sentimentais. Parte do somos é uma projecção das memórias que temos e experimentamos dentro desse refúgio. A casa é a topografia do nosso íntimo, habitar é uma definição de identidade é a forma como nos relacionamos com o mundo.

Ainda oferecemos isso as crianças?

A criança de hoje tem a mesma ligação com o seu lugar de vivência, com o interior, com a protecção do seu íntimo? No teatro da memória onde ficará a casa da sua infância? 

A arquitectura deixou de construir e oferecer o sentimento de lar para construir imagens. Imagens que vendem objectos, organização espacial e um determinado estrato social. Prova disso é o abandono do uso do desenho livre (esquisso), da maquete (que permite ao seu futuro habitante sonhar a vivência) pela predileção de  imagens computadorizadas (3D). Deixamos de desenhar o lar (se é que alguma vez o conseguimos concretizar). Ele requer tempo e contacto humano, dois bens demasiado caros no mundo veloz em que vivemos.

” Quando comparamos os projetos do início do modernismo com os projetos de vanguarda contemporâneos, podemos perceber imediatamente uma perda de empatia pelo habitante. Em vez de ser motivada por uma visão social do arquiteto ou por uma concepção de vida pautada pela empatia, a arquitectura tornou-se autorreferencial e autista.” – J.Pallasmaa

De que vale desenhar tantos espaços amorfos? Olhando-os de fora oferecem a harmonia estética do todo, mas por dentro parecem não possuir alma. São réplicas indiferentes aos males, as alegrias e sonhos de quem os habita. Como poderiam ser diferentes? As habitações actuais são bens consumíveis, possuem data de validade. Não foram feitas para o futuro, não são pensadas para albergar as gerações vindouras. A casa já não é o bem mais querido, não contém a vida e alma dos seus habitantes.

Se as paredes pudessem falar, o que contariam? Fragmentos de existências, estórias incompreensíveis e transitórias.  A casa que outrora foi abrigo desenha-se agora como invólucro do vazio.

The shape of living – Day 4

At home
Le Corbusier
We want to hear from you. ????? 
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At this moment when we are all forced to be at home, we would like to hear about your experience of living.


What do you miss, what unnerves you, what makes you happy, does the space in which you find yourself give you the comfort you seek? Is it in line with your needs and character? Can you define it as yours, as a shelter, or are you looking forward to escape?
Is the balcony useful, do you have one? Does the noise from the neighbors bother you? Are the number of bathrooms sufficient? What is intuitive and easy to use? What is not? Is the oven height good? What about the position of the trash can, the washbasin? Is there enough light? Are the materials nice or suddenly something irritates you?


Send us your thoughts (info@llagnes.com), in photographs, drawings, words, etc. Any format is welcome. Together we will think about the way of living, because even if everything out there is attractive, there is nothing like home.


Thank you!

Imaginar a vida – Day 1

Scene of Study
Creator: Chang, Uc-chin
Porque é que os arquitectos não estão a falar sobre o problema da pandemia? Em algumas publicações que mostram imagem, após imagem de construções idílicas, existe a nota : não queremos contribuir para gerar o pânico, o pânico propaga-se mais rápido que o vírus.
Certo, certíssimo, não posso deixar de concordar, porque não é só o pânico, é as absurdidades que vão sendo publicadas e republicadas de como curar, não apanhar, etc uma doença da qual ainda não temos muitas informações.
Contudo, questiono mais uma vez: Por quê? Os arquitectos não deveriam estar a debater sobre a realidade que está a acontecer à volta deles?
Esperava-se de uma classe que constrói os lugares onde vivemos e que usamos, que pensa as cidades que estão agora vazias por fora e repletas por dentro, que neste exacto momento quisessem dialogar, pensar sobre as falhas e as mais valias, no que deve ser alterado ou repensado para o futuro. 
Invés disso estão fechados nas suas redomas. Obrigam os trabalhadores a continuarem a deslocar-se como se não houvesse qualquer problema fora da porta. Como podem eles desenhar espaços para os que conhecem pouco, quando não conseguem sentir a fragilidade daqueles com quem trabalham todos os dias? Que bondade, equilíbrio e coerência se pode esperar de espaços desenhados por mentes assim? Se existisse uma certificação para os gabinetes de arquitectura, como ética, ou empatia, quantos poderiam 
obtê-la? Isso faria com que as construções do futuro fossem melhores? Li um estudo que a carne de animais felizes é melhor, acredito que a arquitectura feita por pessoas felizes também seria melhor. 
Por quê ignorar as necessidades e humanidade daqueles que a pensam e executam? Para quê? Para continuarem a construir as imagens bucólicas que as publicações físicas e online nos continuam a  mostrar nestes tempos conturbados. Quem é que vive nessas imagens? 
Enquanto isso a vida continua, não na rua, mas edificios que construíram (eles e todos os outros, mais ou menos qualificados).  Em prédios de esquerdo-direito, frente-trás, nos x metros quadrados optimizados, sem varanda... Estão hoje fechados centenas de milhares de seres humanos. 
O que significa para eles tudo isso? Que sentimento lhes resta do espaço de habitar? O que lhe oferece o espaço multiplicado e espelhado em CAD? O que torna aquele lugar único, para que se identifique e o chame de seu? Que é dos pais que agora se vêem a braços com crianças confinadas? Que interesse, divertimento e desafio proporcionam esses espaços? Pela visão da minha varanda, posso-vos dizer, muito pouco. Do outro lado da rua está um parque de brincar, supostamente deveria estar vazio, está hoje ainda mais populado que antes. Porquê?
Por irresponsabilidade dos pais, sim, nem se questiona. Mas também por culpa dos espaços onde habitamos, que nas últimas décadas se transformaram em dormitórios onde a vida do seu habitante acontece pouco, muito pouco.
Como foi possível permitir que espaços íntimos tenham sido plastificados, pixelizados, anielados? 
As cidades onde agora maior parte de nós vive, transformaram-se em lugares anônimos e trouxeram ao de cima toda a sua fragilidade com esta crise. O vizinho ao qual a criança não podia dizer, olá, seria o mesmo a olhar por ele para não ser arrastado pelos pais pelo supermercado, quando nem sequer devia estar no supermercado.
A senhora idosa do prédio ao lado que não tem alternativa senão ir à farmácia, podia e devia ser ajudada por alguém mais saudável que ela, mas sabe-se da sua existência?
Não estão hoje em dia os edifícios preparados para se entrar e sair de carro, para não se dar de caras com ninguém? Não é o que as cidades pedem de nós? Ir do ponto A ao ponto B, passar pelo C e na volta se der olhar para o H? Quem passeia nas cidades? Quem olha para o lado, para o alto, para a árvore doente, para a ausência dela? Os turistas! Os habitantes estão demasiado ocupados a ir de um ponto ao outro e a correr de volta. Quando numa tarde de sábado se apercebem que o parque onde liam um livro é agora um estaleiro, já é tarde. Será?
Mais uma vez onde estão os urbanistas e os arquitectos no meio disto tudo? Quem projectou estas cidades egoístas, mecanizadas, densas e que falham redondamente quando se deparam com problemas como os que hoje enfrentamos?
Por que não são elas mais pedestres, mais verdes, mais sustentáveis, mais inclusivas? Porque o pensamento individual precede o bem comum, para os que não entenderam é o egoísmo que faz das nossas cidades aquilo que são, aliás é o mesmo atributo que faz com que o sars-cov-19 não pare de se alastrar. “Eu quero apanhar sol”, “eu quero conversar”, “eu não quero perder dinheiro”, “eu não quero que me falte comida”…”eu, eu, eu, … “
Porventura não é os mesmo mesmo que acontece nas nossas cidades?
“Eu quero que este terreno seja muito rentável”, “eu quero ter sol de todos os lados”, “eu não quero ter que andar na rua em dias de chuva” , “eu não quero espaços verdes comunitários, dão muito trabalho”... Imaginem o potencial de tudo isto, se de depois da afirmação do eu, viesse a indagação do nós.
“Eu quero apanhar sol. É o melhor para todos?”
“Eu quero que este terreno seja muito rentável. Os inquilinos vão ser felizes aqui?”

O mundo poderia ser um lugar bem diferente.

“Imaginar a vida é mais importante que fantasiar espaços (…)” J.Pallasmaa

A home called fear

 Five years old
 Rise
 Wash your face and dress
 Heat a soup
 Play
 in silence
 Wait

 Six years old
 Make drawings
 Do not drag chairs
 Go slowly to the bathroom
 Look at people from the corner of the balcony
 To hide
 Wait

 Seven years old
 Watch cartoons
 Television mute
 Yearning for snow
 Play
 in silence
 Wait

 Eight years old
 A Nintendo, without sound
 Read
 Cooking rice
 Look out the window
 To imagine
 Wait

 Nine years old
 Risk opening the front door
 Make puzzles
 Listening to music on the walkman
 Write
 Agonize the wait

____

Cinco anos de idade
Levantar
Lavar a cara e vestir
Aquecer uma sopa 
Brincar 
em silêncio
Esperar

Seis anos
Fazer desenhos 
Não arrastar cadeiras
Ir devagarinho à casa-de-banho
Olhar para as pessoas do canto da varanda
Esconder
Esperar

Sete anos
Ver desenhos animados 
Televisão muda
Ansiar por neve
Brincar 
em silêncio
Esperar

Oito anos
Uma Nintendo, sem som
Ler
Cozinhar um arroz
Olhar pela janela
Imaginar
Esperar

Nove anos
Arriscar abrir a porta da rua
Fazer puzzles
Ouvir música no walkman
Escrever
Agonizar a espera

 Four white walls
 where loneliness grows
 The uncertainty of the days to come
 What if no one comes back?
 What if I can't get out?
 Will the monsters patrolling the outside come?
 Hungry child?
 Or child without parents?
 Is there an option?
 This is where I am, why don't you want me?
 What harm have I done to them?
 Can I play on the swing?
 I promise I won't damage it. It's theirs, isn't it?
 Tell them I can see without touching
 I learned how to say it
 Can I tell them?
 That I will smell the flowers without cutting
 I'll walk slowly
 I will not speak
 or sing
 That they can keep my toys
 That I will only study
 If they let me stay
 Just a little more, mom, just a little 

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Quatro paredes brancas
onde cresce a solidão
A incerteza dos dias que virão
E se ninguém voltar?
E se não poder sair?
Os monstros que patrulham o exterior virão?
Criança com fome?
Ou criança sem pais?
Há opção?
Isto aqui onde estou, porque não me querem?
Que mal lhes fiz?
Posso brincar no baloiço? 
Prometo que não vou estragar. É deles não é?
Diz-lhe que sei ver sem tocar
Eu aprendi a dizer
Posso dizer-lhes?
Que vou cheirar as flores sem cortar
Que vou andar devagarinho
Eu não vou falar
ou cantar
Que podem ficar com os meus brinquedos
Que só vou estudar
Se me deixarem ficar
Só mais um pouco, mãe, só mais um bocadinho

Be a Lady

Be a Lady They Said

“Don’t be that kind of woman”.

What kind of woman? The one who fights for equality? Being a feminist is not creating unease, being for me, being for a just life, is not creating unease. Be a feminist is not to bow my head when I am told that this is how things are, this is how society is.
Sorry for the discomfort of the echo of my words when I say no.
No, to the objectified body
No, to unequal wages
No, to gender categorization
No, to individualistic and inhuman cities

We identify us with what Cynthia Nixon says, because during our life we ​​have already gone through or will go through at least one of the situations. Someone will feel entitled to speak about our body, our way of being, our knowledge, our dreams and will take away the power of our essence, our personality. All of us, in one way or another, know the places to avoid, the hours, the people, the clothes, the situations. Gazelles in the savanna.
So please, before you think this is a war of gender, or opinions, try to walk in our shoes. And ask yourself:

Would I like to be treated like this?

Sakountala

Pietragalla, le corps parlant

Sakountala foi antes de mais uma homenagem à grande Camile Claudel, um sentimento que se foi desenvolvendo ao longo do tempo sobre a nossa realidade quotidiana. O que são os nossos sonhos, o que significam num mundo onde a matéria precede a essência? Perder um grande sonho é perder o propósito? É equivalente à ausência de um ente querido ou a um pedaço de nós próprios? A nossa realidade interior é feita de quê? Este conto pretende reflectir sobre essa dicotomia vivida e imaginada.

https://www.amazon.com/-/pt/dp/B0853DCGW9/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=ÅMÅŽÕÑ&keywords=sakountala%3A+torpor&qid=1582622376&sr=8-1

Nameless

Moonassi
Sob o ímpeto de já não saber quem sou (ou ainda não saber)
Fui ficando
amarada na neblina dos dias
Fui hoje chocalhada pelo vento dos tempos
Na tempestade onde me encontro
não há caminho
Mas sigo
Todo o ser está moribundo
já não é a minha alma que dói
é a deles
Onde fico
Padeço

Nobody

Despite continuing my work independently, the current economy dictates that in order to survive, I have to work for others. Adapting to it, being flexible… I’m too tired to make up names for you. It is what it is, sometimes intellectually challenging, sometimes what follows.

I was fired, I was fired, because it did not seem right to take my coffee next to a toilet, I was fired because it did not seem right to wash my lunch dishes in the place where others had made physiological needs. Or put food in a fridge (second hand, third hand…?) that had been put on the street and no one cleaned it up. I was fired because having internal meetings until 9 pm seemed to me to be exaggerated.

I was fired over the phone, barred from my personal computer stuff, and kicked out of the company at 9 am on the first day of autumn. Mother Nature was kind to me, because on the street people thought my wet face was from the rain.

Never in my life I had been treated that way, never in my life had I been fired… never until the day!

I saw a drawing a long time ago with the phrase “Nobody can stop them!(…)”

The world is made of many nobodies. As I belong to this class, I was treated by the businessmen (not all are the same) as an object, garbage.

J. Campbell wrote that cities demonstrate very well the power of the time, before the centrally located churches, then the government buildings and today the offices, eager to win the planet. Eternal economic growth, resource use to exhaustion, often zero humanity.

The nobodies in this world has children, loans, dreams? Who knows, but most of all they are afraid. And in the fear in which they surround themselves, they learn not to say what they think, to look sideways when something goes against their values. In the process they lose their rights, they kill the ideals to become the automatons that society requires them to be. Nobodies are the majority of this world and still, they prefer to dip their eyes on social networks. Looking at a screen, down, with subservient posture.

On the first day of autumn, another nobody was trampled underfoot, to learn not to look up, to be reminded of which side of the balance is the power.

“Nobody can stop them!

I’m nobody!”