A situação actual faz-me pensar no País dos cegos de H.G.Wells (bem para quem não leu é melhor parar aqui e voltar mais tarde).
Várias vezes me senti na aldeia dos cegos. Após dez anos da formação requerida a minha visão arquitectónica é basicamente oposta aquela na qual fui instruída. Por vezes penso que fosse melhor chegar a um ponto de consenso, a um território comum. Mas como, quando todas as fibras do meu ser me orientam para outra direcção?
Não caber nas convenções, não aceitar seguir o que nos dizem e ensinaram, não é ser intransigente ou rude, é apenas voltar a refazer as perguntas que poucas gerações tem a coragem de fazer.
Só pode ser mesmo assim?
Isto não pode ser feito de outra maneira?
Temos que continuar a perpetuar este sistema?
Sim, significa chocalhar as coisas, sair da zona de conforto e é por isso que pessoas que ousam questionar e repensar o que lhe foi dito são vistas como personae non gratae.
Não é o mesmo que acontece na aldeia dos cegos? Quando Nunez chega, primeiro pensa em dominar aquela aldeia de cegos, acha-se superior a eles, ele pode ver, eles não. Mas com o passar do tempo, eles como maioria conseguem subjugá-lo à sua vontade até ao ponto de ele equacionar perder a visão para ser um deles. Também não o fazemos?
Olhamos para os outros, para aqueles que achamos diferentes de nós, queremos que eles vistam como nós, pensem como nós, vivam como nós. Não aceitamos que realidades diversas possam ser bem-vindas, que entrar numa conversa de mente aberta não nos faz perder a identidade. Até muitos daqueles que vêem o outro lado do mundo ainda se mantêm na ideia mundana das coisas. Porque ver é diferente de olhar! O olhar requer um foco de atenção que não estamos dispostos a dispensar neste mundo veloz.
Desde crianças somos moldados para sermos como os outros. Desde pequena que havia choros quase todas as refeições em casa dos meus pais, porque me recusava a comer a carne. A forma de me alimentarem, era a mesma como eles tinham crescido, logo não viam uma possibilidade diferente. Eu tinha que me moldar e aceitar a ordem pré-estabelecida. Foi preciso crescer, tornar-me na minha própria pessoa para que a carne deixa-se de estar no meu prato. Moldar e ser moldado, redefinir os pensamentos para que se enquadrem na sociedade onde vivemos.
Acontece também nas escolas, com os professores. Foram poucos os que durante o tempo de aprendizagem vieram ao meu encontro. É um longo processo conseguir se abster, subjugar o ego, para que a outra mensagem possa passar. Não era o que eles pensavam da arquitectura, mas o que eu pensava dela, não era a interpretação que eles tinham do mundo, mas a que eu tinha através de análises, referências e sensibilidades.
Cada um de nós possui a sua própria história e como consequência visão do mundo. Há pilares basilares na arquitectura, mas a partir daí cada um navega na arquitectura e no mundo, com a bagagem que foi adquirindo ao longo do tempo. Não é por isso cruel, pedirem a seres únicos para trabalharem como máquinas, que apenas manuseiem máquinas? Cada um de nós brilha quando está no lugar certo a fazer aquilo que lhe é destinado, acredito piamente nisso. Esse qualidade confere significado ao que fazemos e à própria vida.
“A qualidade é o respeito pelo povo”, uma afirmação do Che Guevara que eu acrescentaria, a qualidade deveria ser o respeito pela vida.
Não é porque a maioria pensa de determinado modo que se deva cegar perante o sentimento que se possui e abafar os valores nos quais desabruchamos.
É algo íntimo, viver.
“A minha liberdade acaba onde começa a do outro” 1, sim, mas isso significa que toda a acção tem uma reação. A nossa visão do mundo é ampliada, alterada e completada na interação com o outro. Por isso, a nossa construção do mundo deve ser feita de respeito e tolerância, como num tango. Por vezes é preciso recuar para deixar o outro florescer.No final todos brilham sob a mesma luz - a da igualdade na unicidade da vida.
Finalmente Bogotá (como lhe chamavam os cegos) num último momento de lucidez prefere a luz, prefere a travessia, que talvez o leve à morte, que viver uma vida acomodada na escuridão. Não será um fim para todos nós?
Ainda que doa olhar, não será preferível a viver uma vida longa e amorfa na ignorância de velhos estigmas?
"The opposite of courage in our society is not cowardice, it's conformity."
― Rollo May
1Herbert Spencer
Five years old
Rise
Wash your face and dress
Heat a soup
Play
in silence
Wait
Six years old
Make drawings
Do not drag chairs
Go slowly to the bathroom
Look at people from the corner of the balcony
To hide
Wait
Seven years old
Watch cartoons
Television mute
Yearning for snow
Play
in silence
Wait
Eight years old
A Nintendo, without sound
Read
Cooking rice
Look out the window
To imagine
Wait
Nine years old
Risk opening the front door
Make puzzles
Listening to music on the walkman
Write
Agonize the wait
____
Cinco anos de idade
Levantar
Lavar a cara e vestir
Aquecer uma sopa
Brincar
em silêncio
Esperar
Seis anos
Fazer desenhos
Não arrastar cadeiras
Ir devagarinho à casa-de-banho
Olhar para as pessoas do canto da varanda
Esconder
Esperar
Sete anos
Ver desenhos animados
Televisão muda
Ansiar por neve
Brincar
em silêncio
Esperar
Oito anos
Uma Nintendo, sem som
Ler
Cozinhar um arroz
Olhar pela janela
Imaginar
Esperar
Nove anos
Arriscar abrir a porta da rua
Fazer puzzles
Ouvir música no walkman
Escrever
Agonizar a espera
Four white walls
where loneliness grows
The uncertainty of the days to come
What if no one comes back?
What if I can't get out?
Will the monsters patrolling the outside come?
Hungry child?
Or child without parents?
Is there an option?
This is where I am, why don't you want me?
What harm have I done to them?
Can I play on the swing?
I promise I won't damage it. It's theirs, isn't it?
Tell them I can see without touching
I learned how to say it
Can I tell them?
That I will smell the flowers without cutting
I'll walk slowly
I will not speak
or sing
That they can keep my toys
That I will only study
If they let me stay
Just a little more, mom, just a little
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Quatro paredes brancas
onde cresce a solidão
A incerteza dos dias que virão
E se ninguém voltar?
E se não poder sair?
Os monstros que patrulham o exterior virão?
Criança com fome?
Ou criança sem pais?
Há opção?
Isto aqui onde estou, porque não me querem?
Que mal lhes fiz?
Posso brincar no baloiço?
Prometo que não vou estragar. É deles não é?
Diz-lhe que sei ver sem tocar
Eu aprendi a dizer
Posso dizer-lhes?
Que vou cheirar as flores sem cortar
Que vou andar devagarinho
Eu não vou falar
ou cantar
Que podem ficar com os meus brinquedos
Que só vou estudar
Se me deixarem ficar
Só mais um pouco, mãe, só mais um bocadinho